segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Céu cinzento, memórias nubladas

 
Num domingo cinzento e frio eu estava lá novamente. Depois de quase dez anos, olhando fixamente para ele. Na memória, um milhão de lembranças passavam rapidamente, coisas boas, outras ruins, dias de riso, outros de choro. Tantos sonhos, planos, projetos, alegrias, músicas, decepções e algumas brigas também. Mas o balanço geral era positivo. Ergui a cabeça, respirei fundo, com o coração acelerado e entrei pelo portão do velho prédio do colégio onde estudei por 6 anos da minha vida. Ainda me lembro do primeiro dia de aula, na sexta série, eu perdida, achando que aquela escola era gigantesca. Mas ali, naquele momento, agora mais velha, percebi o quão pequenino era aquele pátio. Na verdade, o que fazia daquele espaço tão vasto eram as turmas intermináveis de adolescentes barulhentos que se reuniam em suas rodinhas nas horas de intervalo. As árvores onde costumávamos encostar para aproveitar a sombra, não mais existem. As paredes, agora com um bege descascado, estavam mal cuidadas. Mas o chão era do mesmo paralelepípedo onde tropecei tantas vezes com meu all star vermelho cheio de estrelinhas rabiscadas com caneta bic e a barra da calça desfiada que arrastava no chão. E mesmo eu estando diferente, mais madura, com a vida totalmente diferente, eu parecia ser a mesma menina. A cada passo, mais e mais lembranças, cada cantinho daquele lugar tinha uma história. Até o vão onde a água da chuva caía foi o protagonista de uma cena hilária, quando uma amiga minha, então com o pé quebrado, foi tentar atravessar o espaço com suas hábeis muletas e acabou estabacada lá dentro, com as pernas para o alto, gritando para alguém ajudá-la. Antes disso oferecemos ajuda para carregá-la, mas ela, orgulhosa, disse que já dominava a arte de caminhar com suas novas companheiras. Tudo bem, pulamos o buraco e seguimos conversando, quando ouvimos um estrondo. Tivemos uma crise de riso, eu, ela e as meninas, lá, sentadas no chão, sem forças para sequer ajudá-la a sair daquela situação. No pátio coberto, apesar de algumas mudanças, tudo continuava exatamente igual. O mesmo cinza do chão, as mesas, a cantina e a escadaria que levava para as salas do andar de cima. Quantas vezes não ficamos sentadas ali, no intervalo ou antes do início das ualas, esperando pelo sinal, com a mesma vontade de entrar na sala de aula de quem vai entrar num presídio. Era dali que observávamos os garotos, os nossos paquerinhas, por quem jurávamos sentir o mais puro e belo amor do mundo. De lá também sentíamos ódio mortal das garotas oferecidas que viviam com eles. Era na escada ou no pátio, sentados no chão mesmo, que dividíamos o lanche, os dramas da adolescência, as revistas teens, o novo cd dos Hanson ou dos backstreet boys, os pôsters para colar no quarto. Fazíamos os testes das Atrevidas e Caprichos, pra saber se “o gatinho está a fim de você” ou líamos vorazmente as matérias para conhecer “dez dicas para conquistar o gato da escola”. Aqui cabe um parênteses para as mulheres que têm mais de 25 anos: qualquer semelhança com a revista Nova, guardadas as devidas proporções, é mera coincidência.

Foi ali dentro que deixei as bandas pops de lado e passei a curtir rock. Começando com o Bon Jovi (tá, não é rock, eu sei), Nirvana, passando por Aerosmith, Metallica, Guns N’Roses, Mercyful Faith, Skid Row e uma lista interminável de bandas. Ouvia tudo o que caí nas minhas mãos. Nessa mesma época fiz novas e inesquecíveis amizades no bairro em que morava e contava animadamente para as minhas amigas o quanto aquela turma era demais! Algumas se apaixonaram pelos meus amigos, para meu ódio mortal, rss. Mudei meu jeito de vestir, passei a pintar as unhas de preto, usar camisetas de banda e a calça jeans rasgada, que eu mesma customizava em casa, sob o olhar da minha mãe, que ao final me dizia: ficou muito legal!! Adorei!! Sorte a minha ter pais que sempre me deram liberdade de escolhas. Tantos outros amigos meus tinham que fazer esse tipo de coisa escondida. Nesse mesmo período tive meu primeiro namorado, um garoto de uma outra escola, mas que fazia parte da turminha do bairro. O namorico durou pouco, mas me lembro perfeitamente do dia em que cheguei na escola e contei a novidade para as amigas. Eu tinha um namorado. Logo depois eu vi que namorar nem era tão divertido assim e que me privar da companhia de tantas pessoas legais por causa de uma pessoa era muito pra mim, que sempre odiei me sentir controlada. Foi ali naquele pátio que vi meu paquerinha lindo (naquela época ele parecia lindo, vai) que estava um ano à frente de mim, numa bela manhã, beijar uma garota conhecida da escola. Não, eu nunca fui muito popular mesmo. Aquela sensação terrível e o drama que todo adolescente faz por causa desses episódios mereceram páginas e mais páginas do meu diário, que inclusive eu guardo até hoje. Mas logo a decepção passou e eu passei a paquerar outro garoto. Foi ali também que decidi ser jornalista e passava tanto tempo contando para as minhas amigas o quanto a profissão era apaixonante e quantos livros eu lia em casa sobre o assunto. Naquele lugar eu devorava livros na pressa de estudar para o vestibular e de me tornar uma jornalista bem sucedida. Lembro de quando quiseram mudar todas as turmas que iriam fazer o 3º colegial no ano seguinte, para o período noturno. Inconformados, organizamos um protesto, chamamos os jornais e emissoras de rádio e tv, fizemos passeata, exigimos reunião com o delegado de ensino e a diretoria da escola. Foi uma sensação de vitória sermos ouvidos. O resultado foi uma conciliação e a turma da passeata na capa do principal jornal de cidade no dia seguinte. E eu já me sentia uma jornalista! Hahahah.

Olhando novamente para aquelas paredes, aquelas salas, tão descuidadas, abandonadas, senti um misto de nostalgia e tristeza. Pode ser arrogância minha, mas duvido que os adolescentes de hoje que estudem naquela escola vivam as coisas com o entusiasmo e um pouco da inocência que o mundo ainda nos permitia ter.  Não faço ideia do que aconteceu com meus “eternos amigos” e colegas daqueles anos especiais. Mas sou capaz de lembrar do rosto ou do nome completo de muitos deles, sem falar das piadinhas, até hoje. Acho que não fiquei ali mais do que 10 minutos, enquanto esperava meus amigos votarem, mas foi o suficiente para trazer à tona um misto de sensações e lembranças que eu nem sabia existirem dentro de mim. Engraçado como tudo se encaioxou perfeitamente. Voltar àquele lugar, àquela cidade, em um fim de semana onde tantas coisas do passado vieram de encontro a mim, me permitiu reviver alguns bons momentos. Coincidência ou não, todos os reencontros que tive ali naquela cidade fizeram parte do mesmo período da minha vida. Como tudo, talvez esse reencontro tenha sido uma despedida, ou talvez seja apenas um até logo que deixou saudades, afinal, o mundo é mesmo uma pracinha e nunca sabemos o quê ou quem iremos encontrar na próxima volta.

6 comentários:

Verônica Lima disse...

nossa! eu não sabia que o comentário quase pontual que vc fez - "faz mto tempo que não entro aqui" - trazia tantas lembranças...que lindo, Juju!

engraçado falar em tristeza ao ver a escola: a eleição era pra governador tb e vimos em SP a vitória do mesmo grupo que tem acabado a cada dia mais com a qualidade do ensino paulista...

acho que temos que acrescentar a palavra vergonha ao descrever nossas escolas estaduais.

uma pena!

ps: pra não perder o costume > Amo vc!

Jullies disse...

Pois é Veroca.... Acho que nem imaginava que ia causar tudo isso. Confesso que ao escrever fiquei na dúvida se entrava em questões políticas e acabei desistindo, me limitando apenas às minhas lembrancas, apesar de saber e ter visto o quão abandonadas e degradas estão não só nossas escolas, mas o ensino público e os pobres professores desse País. Vergonha!

PS: Eu tb AMO vc!!

Duda Rangel disse...

Oi, Juliana. Conheci seu blog um tempinho atrás, mas não deixei mensagem na ocasião. Volto agora para te escrever. Gostei muito de seu texto, dos detalhes que você descreveu. Me senti no seu colégio, sem jamais tê-lo visitado. Muito sucesso pra você!
Abraço do Duda

Jullies disse...

Olá, Duda, que alegria saber que você visitou o meu blog! Muitísssimo obrigada pela leitura e pelos elogios. Sucesso para nós!! Um abraço.

Renata Leite disse...

Ju, encontrei sem querer seu endereço e adorei o seu blog. Você escreve muito bem. É surpreendente a forma como eu sinto a sua vergonha, alegria e saudades quando leio isso aqui.. Parabéns, e não pare de postar!

Jullies disse...

Oi Re, obrigada pela visita e pelos elogios!!! Fico feliz em saber que podemos compartilhar algumas das minhas histórias e lembranças!! Por causa da correria estou com pouco tempo para atualizá-lo, mas em breve farei mais posts! Aproveito para desejar à você um ótimo 2011!! Obrigada pela companhi!! Beijos.