domingo, 11 de julho de 2010

Alice?

Dos sonhos de criança às aventuras adolescentes. Do cinza que torna a realidade da vida adulta tão dura, presente e em tantas vezes difícil de acreditar, de compreender e aceitar. Por quê há tantas pessoas no mundo, mas ninguém se conhece de verdade? Não há mais espaço para o afeto, a confiança, a sutileza, a ingenuidade. Perdemos muito mais do que a noção de certo e errado, perdemos a noção do que somos e de quem são os outros. Todos querem atenção, carinho, amor, mas se recusam a fazer um mínimo de esforço para dar tudo isso em troca. Não, troca não é a palavra certa, porque pressupõe acordo, interesse e tudo isso tem que ser espontâneo. Deixamos de ser espontâneos e sem perceber perdemos também a essência, a liberdade. Bonito é se preocupar apenas com você, com a sua carreira, o seu carro novo, as roupas de marca e os bares da moda. É rídiculo demonstrar sentimentos, pior ainda deixar transparecer que precisa de alguém, sinal de fraqueza. É por essas e outras que nas ruas, estão todos perdidos, vivendo no automático, sem saber direito o que fazem e por qual motivo o fazem. Indo e vindo, em marcha, fingindo ser o que jamais serão, bem resolvidos, confiantes. No fundo, são poços de frustrações, sofrimento, arrependimentos, mas que tudo isso se dane, precisam se defender, sobreviver. Assim, a troco de quê? Com qual propósito?


Carcaças vazias, ambulantes. Em algum lugar se perdeu o que dava sentido à tudo. Mas ninguém quer dar o braço a torcer. Que todos os reais anseios e sentimentos fiquem escondidos, guardados e no máximo apareçam em pensamento enquanto esperam o trem ou na hora de dormir. Mas que passem rapidamente, diante da velocidade da vida e das obrigações do cotidiano. E que o essencial seja sempre ignorado, porque temos medo de parecermos ridículos, idiotas, fracos, sentimentais ou apenas ignorados. E assim segue a multidão, homogênea, egoísta, fria, podre, desinteressante.


Cavaleiros solitários, brigando com o mundo e ignorando a batalha mais importante: a pessoal, de nós mesmos, aquela que faz toda a diferença entre a vida que se quer e a que se tem, entre compartilhar e seguir sozinho. Porque muito mais fácil é olhar pra fora e apontar o dedo, acusar, se “indignar”, fingir se importar. Difícil mesmo é parar e perceber que o que está perdido dentro de cada um é o que realmente faz a diferença entre o mundo cinza e o arco-íris que surge tímido no horizonte. Algumas raras pessoas parecem já ter percebido isso. Sorte delas. Enquanto isso a maioria segue perdida, porque a névoa densa do medo as impede de serem o que realmente são e de viverem a vida plenamente. Fingem a maior parte do tempo e no fim do dia se recolhem em suas casas, tristes, solitários, amargos. Nada que uma boa dose de qualquer bebida não amenize, que uma conversa superficial na internet não faça esquecer e dê a falsa impressão de interação, de companhia.



Enquanto tudo segue anestesiado, a garotinha do papai segue correndo na floresta, com o vestido azul de festa rasgado e alguns arranhões e tombos conquistados ao longo do caminho. Algo semelhante com aquela Alice e seu país das maravilhas? Não faz mal. Antes os desafios da floresta do que o cinza da cidade, que cega. É melhor continuar assim, descobrindo novas trilhas e atalhos, conhecendo os seres fantásticos e mantendo o coração cheio de esperança e carregado daquelas boas sensações e momentos da adolescência. Especialmente do confuso e enigmático garotinho que passava algumas horas do dia tentando convencê-la de que era bom comer formigas. E ela ria, pura e despretensiosamente, desejando que aquelas tardes jamais tivessem fim. Na verdade, o que ele queria era mostrar para ela as ínumeras possibilidades que só se enxerga quando se tem 15 anos. Ela também desejava desbravar o mundo com ele, mas o medo, aquele mesmo que hoje perturba as pessoas, de certa forma já a impedia de dar sua mão a ele e seguir estrada afora.




Mas nem tudo está perdido. Todos esses ideais e sentimentos continuam ali, adormecidos, esperando o momento certo para virem à tona. Basta apenas que ela o reencontre numa bela tarde de outono, ali, debaixo daquela árvore, como se o tempo não tivesse passado. Porque muitas coisas podem mudar, mas algumas continuam iguaizinhas, por mais que a gente duvide ou tente disfarçar. E o que parecia o fim, há mais de 10 anos, na verdade pode ser apenas o começo…

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